vida II
Dizem que o amor pela culinária é adquirido ainda na infância, mas ela não tem nem ideia de quando foi que esse amor se despertou nela. Sabe que provavelmente foi com as avós, em algum momento que não consegue recordar, não importa o quanto tente. Cresceu numa relação de amor e ódio com a comida, mulher, desde nova sendo cobrada a manter hábitos obsessivos, as cobranças até passavam despercebidas, mas ela sempre as sentiu, sem entender o porquê. Cresceu em cidade pequena, e desejava comidas diferentes, lanches de shopping e de restaurantes fast food; por que todos podem comer e ela não? Se sente injustiçada, presa em uma cidade tão banal. Décadas depois sabe agradecer, de certa forma, por nunca ter tido essa forma de dieta. Aprendeu a plantar os próprios vegetais, temperos, chás e frutas com o pai.
Aprendeu a valorizar todos os alimentos que vinham da terra, iam para as panelas e depois à mesa. Às vezes estes vinham da horta da casa, ou então de hortas das avós, tias ou até mesmo vizinhos. Uma comunidade ligada pelos alimentos.
Cresceu correndo solta pelo chão de terra, e hoje morando em uma cidade muito maior, enjaulada em seu apartamento, sente muita falta dessa conexão com o chão. Passou por muitas fases nessa vida, mas a infância tem um brilho especial na memória: passou muito tempo brincando com lama, folhas, galhos e o que tivesse à disposição.
No auge dos oito anos de idade quis ser professora, mas com 14 já sabia que isso não cabia nela. Na adolescência viu a depressão de perto, aos 18 já sabia que a vida era bruta. Desistiu de muito, quase desistiu da vida. Abriu os braços pro mundo e disse a Deus: "Seja o que você quiser". O arrependimento, dor, sofrimento, felicidade, amor, paz. Com 25 quer ir a Marte, com 30 já chegou ao fundo do poço outra vez. 45 é a idade da vez. E o amor pela comida? Cresceu com ela, desenvolveu. Virou pesquisa, profissão, injustiça até. Virou a vida.
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